“As mentiras mais cruéis são geralmente pronunciadas no silêncio”
Robert Louis Stevenson
Silêncios confrangedores. Por vezes, uma assombrosa falta de frontalidade; a ausente coragem para assumir a mentira. O silêncio afoga a mentira na sua projectada ilusão, como se a mentira ficasse resguardada nos contrafortes da existência sem se dar a conhecer às suas vítimas. Que vegetam na doce ignorância da traição desconhecida. A indignidade atinge o ponto de rebuçado. Perfuma o mais puro desrespeito pelas vítimas da mentira. O pior é que na embaraçosa luta interior com a mentira por carência de frontalidade, acaba tudo por desaguar na falta de respeito que atinge quem a omite.
Outras vezes, a omissão da mentira é – julga-se – um acto caritativo. Uma pungente caridade. Dir-se-ia, uma caridade impregnada da mais sangrenta crueldade. Em vez da coragem de confrontar as vítimas, o silêncio remete a mentira para a sua suposta inexistência. Por respeito às vítimas, poupadas às dores trazidas pela mentira omitida. Julga-se que há caridade neste silêncio que é uma traição à mentira omitida. Será por respeito às vítimas da mentira que ela é silenciada. Melhor será que continuem a viver na ignorância da mentira que as afligiria, viessem elas a travar conhecimento com ela. O que seria caridade transfigura-se no acovardar dos titulares da mentira. Omitem-na por falta de coragem, não em homenagem às suas vítimas.
Apaziguam-se consciências no silêncio comprometedor que aniquila mentiras. Como se elas fossem diluídas no eco dos silêncios repetido no tempo. O tempo teria o condão de medrar o esquecimento da mentira. Seria um trato entre o fautor da mentira e os relógios de todo o mundo para que eles acelerassem os ponteiros e se apressasse a diluição da mentira no silêncio repercutido nos dias sucessivos. A consciência ao início turvada, aclarando-se à medida que os dias fossem sendo ultrapassados e, nos seus interstícios, a memória se toldasse em cores baças.
As “mentiras cruéis”, as que são, diz-se, curtidas na pele onde arremete o silêncio. E há mentiras que não sejam cruéis? Há mentiras que venham ao conhecimento na antítese da crueldade, sem o seu odor implacável? Ou, porventura, as mentiras ganham uma espessura cruel quando vêm encerradas no seu silêncio. Admitir que as vítimas das mentiras hão-de preferir tomar conhecimento delas, de que são as suas vítimas. Ao saberem-se vítimas, a mentira desprende-se dos traços de crueldade.
Esta dialéctica entre o fautor e a vítima da mentira, quando é intermediada pelo silêncio comprometedor, encerra uma teia de paradoxos. Consoante a dialéctica seja olhada pelo ângulo de quem comete a mentira ou de quem é dela vítima. Pode ser incongruente que as mentiras mais cruéis sejam as que não chegam a provocar a amargura em que nelas mergulha como destinatário. É que o silêncio cauciona o desconhecimento, fermenta a ignorância. E, pelos fragmentos do desconhecimento, não tomam consciência do papel miserável a que a mentira os destina. É como se a epiderme nem sentisse os espinhos espalhados nos lençóis onde o corpo se deita, julgando que os lençóis têm o tacto agradável do cetim.
Se as mentiras mais cruéis são as que ficam resguardadas no silêncio? Sê-lo-ão para quem assim as cauciona. Haverá ameias tão altas para jamais entoar os segredos da mentira. O silêncio será o túmulo onde nidifica o conturbado escrúpulo dos que titulam a mentira silenciada. Não será por respeito a quem sobra como vítima da mentira: ou não seriam alguma vez as vítimas sequer colocadas nesse papel, não chegasse a mentira a ser silenciada. Julgar que a omissão aniquila a mentira é mentir a si mesmo. Mentir à própria mentira. Uma dupla mentira. Um jogo de espelhos onde se simulam os efeitos desejados, mas impossíveis, que a omissão das palavras acomete sobre os actos remetidos à condição de mentira. Como se através do jogo de espelhos, e do silêncio possuído de dotes mágicos, a mentira o deixasse de ser.
Volto a debater-me com o jogo de palavras de Stevenson: na dialéctica entre os actores da mentira, a omissão revela a crueldade suprema para quem é seu fautor. A quem sobra a terrível amargura interior de conviver sozinho com a dupla indignidade: de ter mentido e de perceber a ausente coragem para a revelar. Um silêncio que é traição de si mesmo. Daí a crueldade suprema.
Outras vezes, a omissão da mentira é – julga-se – um acto caritativo. Uma pungente caridade. Dir-se-ia, uma caridade impregnada da mais sangrenta crueldade. Em vez da coragem de confrontar as vítimas, o silêncio remete a mentira para a sua suposta inexistência. Por respeito às vítimas, poupadas às dores trazidas pela mentira omitida. Julga-se que há caridade neste silêncio que é uma traição à mentira omitida. Será por respeito às vítimas da mentira que ela é silenciada. Melhor será que continuem a viver na ignorância da mentira que as afligiria, viessem elas a travar conhecimento com ela. O que seria caridade transfigura-se no acovardar dos titulares da mentira. Omitem-na por falta de coragem, não em homenagem às suas vítimas.
Apaziguam-se consciências no silêncio comprometedor que aniquila mentiras. Como se elas fossem diluídas no eco dos silêncios repetido no tempo. O tempo teria o condão de medrar o esquecimento da mentira. Seria um trato entre o fautor da mentira e os relógios de todo o mundo para que eles acelerassem os ponteiros e se apressasse a diluição da mentira no silêncio repercutido nos dias sucessivos. A consciência ao início turvada, aclarando-se à medida que os dias fossem sendo ultrapassados e, nos seus interstícios, a memória se toldasse em cores baças.
As “mentiras cruéis”, as que são, diz-se, curtidas na pele onde arremete o silêncio. E há mentiras que não sejam cruéis? Há mentiras que venham ao conhecimento na antítese da crueldade, sem o seu odor implacável? Ou, porventura, as mentiras ganham uma espessura cruel quando vêm encerradas no seu silêncio. Admitir que as vítimas das mentiras hão-de preferir tomar conhecimento delas, de que são as suas vítimas. Ao saberem-se vítimas, a mentira desprende-se dos traços de crueldade.
Esta dialéctica entre o fautor e a vítima da mentira, quando é intermediada pelo silêncio comprometedor, encerra uma teia de paradoxos. Consoante a dialéctica seja olhada pelo ângulo de quem comete a mentira ou de quem é dela vítima. Pode ser incongruente que as mentiras mais cruéis sejam as que não chegam a provocar a amargura em que nelas mergulha como destinatário. É que o silêncio cauciona o desconhecimento, fermenta a ignorância. E, pelos fragmentos do desconhecimento, não tomam consciência do papel miserável a que a mentira os destina. É como se a epiderme nem sentisse os espinhos espalhados nos lençóis onde o corpo se deita, julgando que os lençóis têm o tacto agradável do cetim.
Se as mentiras mais cruéis são as que ficam resguardadas no silêncio? Sê-lo-ão para quem assim as cauciona. Haverá ameias tão altas para jamais entoar os segredos da mentira. O silêncio será o túmulo onde nidifica o conturbado escrúpulo dos que titulam a mentira silenciada. Não será por respeito a quem sobra como vítima da mentira: ou não seriam alguma vez as vítimas sequer colocadas nesse papel, não chegasse a mentira a ser silenciada. Julgar que a omissão aniquila a mentira é mentir a si mesmo. Mentir à própria mentira. Uma dupla mentira. Um jogo de espelhos onde se simulam os efeitos desejados, mas impossíveis, que a omissão das palavras acomete sobre os actos remetidos à condição de mentira. Como se através do jogo de espelhos, e do silêncio possuído de dotes mágicos, a mentira o deixasse de ser.
Volto a debater-me com o jogo de palavras de Stevenson: na dialéctica entre os actores da mentira, a omissão revela a crueldade suprema para quem é seu fautor. A quem sobra a terrível amargura interior de conviver sozinho com a dupla indignidade: de ter mentido e de perceber a ausente coragem para a revelar. Um silêncio que é traição de si mesmo. Daí a crueldade suprema.
Fonte: Blog O Felino
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