Eu não gosto de intelectuais. Existem, claro, vários tipos deles: o acadêmico emburrado, o jornalista boêmio, o cineasta descolado, o universitário socialista, etc. Mas eu não gosto de nenhum. O que não significa, de forma alguma, que sou contra a produção criativa e o debate aberto. Muito ao contrário: o que acho é que a própria figura do intelectual, da forma como a entendemos hoje – representada pelas figuras acima –, trava a criatividade e limita o debate. Porque, em primeiro lugar, o título de intelectual confere a uma determinada classe uma espécie de monopólio da opinião. E, em segundo, a própria expressão “intelectual” é quase sempre usada em tom pejorativo, por quem gosta de justificar sua ignorância alegando não ser “intelectual”.
Quando, durante o Iluminismo, o termo começou a ser aplicado, a posição do intelectual não era a de um pensador marginal, como acontece hoje. Era uma figura central e lúcida, que – com incrível capacidade de memorização de conceitos e combinação de idéias – conseguia compreender a realidade de uma maneira, digamos assim, única e útil. O problema, ainda assim, existia, e, de certa forma, começou lá: que é o de respeitar intelectuais como personagens inabaláveis, quase desumanas. Quando uma região e uma geração estão, juntas e inteiras – o que beira a total impossibilidade –, comprometidas com o avanço livre de idéias, então o destaque de uma dúzia de personalidades extraordinárias não é necessariamente negativo. O problema é, como acontece hoje, quando o termo se torna vulgar e popular, consagrando mediocridades em vez de indicar a genialidade.
E então, onde ainda há espaço para opiniões, “intelectuais” discorrem sobre os mais variados temas, sem conhecimento nem vergonha. Lingüistas aposentados manifestam-se em relação a política. Filósofos auto-intitulados discorrem sobre economia financeira. Cineastas frustrados opõe-se ao desenvolvimento genético. Jovens engajados arremessam pedras em lanchonetes. Todos têm, obviamente, o direito de emitir opinião, mas o problema é outro: é que essas opiniões são, muitas vezes, distribuídas de um modo institucional, como de uma “pessoa que pensa”. E isso confere a “intelectuais” uma natureza superior, que lhes permite divulgar bobagens interesseiras enquanto são ouvidos como autoridades intocáveis.
O problema dos “intelectuais”, na verdade, não é exclusivamente deles: é também do resto que – preferindo a ignorância assumida – acaba terceirizando o exercício de raciocinar. E, admitindo ou não, repete o que acha inteligente, quando precisa lançar um “comentário cabeça”. Os “intelectuais”, para sermos justos, apenas aproveitaram esta oportunidade no mercado: a necessidade eventual dos incultos de emitirem pensamentos “cultos”.
O que acontece, nesse contexto, é que o “intelectual” virou um estilo. E pessoas “normais” – as não intelectuais – recorrem a ele quando acham bonito: para comentar um livro ou um filme, para falar de política, de economia, de arte, etc. Adotando, assim, a mesma autoridade falsificada do intelectual profissional. Mas, no mais das vezes, divertem-se como bárbaros. E caem no patético. E, da mesma forma, quando não entendem de um assunto, evitam assumir a ignorância: e defendem até o direito de permanecer nela, já que não são “intelectuais”.
E fica nisso: de um lado, “intelectuais” que vivem de um título fictício, atrasando e confundindo discussões; e, de outro, uma “opinião pública” inculta e ingênua, que usa esses “intelectuais” para copiar seus comentários ou para justificar sua ignorância. Essa separação, então, não deveria nem precisaria existir: porque o pensamento livre não é – e não pode ser – propriedade de uma classe. Muito menos de uma classe tão mal representada.
“Intelectual”, afinal, é hoje quase um xingamento. E com toda a razão: a maioria que gosta de desfilar com esse emblema na testa reúne as mesmas características: completo descuido com a aparência; desinteresse pelo mundo moderno e pelas coisas práticas; ilusão de superioridade mental e arrogância nos modos; lerdeza no verbo e vácuo no conteúdo. É realmente uma maneira entediante de encarar a vida. Não merecem, se pensarmos bem, a pobreza de que tanto reclamam. Mas eu, pelo menos, confesso que não consigo pensar tão bem. Que desfrutem, então, a miséria a que estão condenados.
Eduardo Carvalho
São Paulo, 12/12/2003
Quando, durante o Iluminismo, o termo começou a ser aplicado, a posição do intelectual não era a de um pensador marginal, como acontece hoje. Era uma figura central e lúcida, que – com incrível capacidade de memorização de conceitos e combinação de idéias – conseguia compreender a realidade de uma maneira, digamos assim, única e útil. O problema, ainda assim, existia, e, de certa forma, começou lá: que é o de respeitar intelectuais como personagens inabaláveis, quase desumanas. Quando uma região e uma geração estão, juntas e inteiras – o que beira a total impossibilidade –, comprometidas com o avanço livre de idéias, então o destaque de uma dúzia de personalidades extraordinárias não é necessariamente negativo. O problema é, como acontece hoje, quando o termo se torna vulgar e popular, consagrando mediocridades em vez de indicar a genialidade.
E então, onde ainda há espaço para opiniões, “intelectuais” discorrem sobre os mais variados temas, sem conhecimento nem vergonha. Lingüistas aposentados manifestam-se em relação a política. Filósofos auto-intitulados discorrem sobre economia financeira. Cineastas frustrados opõe-se ao desenvolvimento genético. Jovens engajados arremessam pedras em lanchonetes. Todos têm, obviamente, o direito de emitir opinião, mas o problema é outro: é que essas opiniões são, muitas vezes, distribuídas de um modo institucional, como de uma “pessoa que pensa”. E isso confere a “intelectuais” uma natureza superior, que lhes permite divulgar bobagens interesseiras enquanto são ouvidos como autoridades intocáveis.
O problema dos “intelectuais”, na verdade, não é exclusivamente deles: é também do resto que – preferindo a ignorância assumida – acaba terceirizando o exercício de raciocinar. E, admitindo ou não, repete o que acha inteligente, quando precisa lançar um “comentário cabeça”. Os “intelectuais”, para sermos justos, apenas aproveitaram esta oportunidade no mercado: a necessidade eventual dos incultos de emitirem pensamentos “cultos”.
O que acontece, nesse contexto, é que o “intelectual” virou um estilo. E pessoas “normais” – as não intelectuais – recorrem a ele quando acham bonito: para comentar um livro ou um filme, para falar de política, de economia, de arte, etc. Adotando, assim, a mesma autoridade falsificada do intelectual profissional. Mas, no mais das vezes, divertem-se como bárbaros. E caem no patético. E, da mesma forma, quando não entendem de um assunto, evitam assumir a ignorância: e defendem até o direito de permanecer nela, já que não são “intelectuais”.
E fica nisso: de um lado, “intelectuais” que vivem de um título fictício, atrasando e confundindo discussões; e, de outro, uma “opinião pública” inculta e ingênua, que usa esses “intelectuais” para copiar seus comentários ou para justificar sua ignorância. Essa separação, então, não deveria nem precisaria existir: porque o pensamento livre não é – e não pode ser – propriedade de uma classe. Muito menos de uma classe tão mal representada.
“Intelectual”, afinal, é hoje quase um xingamento. E com toda a razão: a maioria que gosta de desfilar com esse emblema na testa reúne as mesmas características: completo descuido com a aparência; desinteresse pelo mundo moderno e pelas coisas práticas; ilusão de superioridade mental e arrogância nos modos; lerdeza no verbo e vácuo no conteúdo. É realmente uma maneira entediante de encarar a vida. Não merecem, se pensarmos bem, a pobreza de que tanto reclamam. Mas eu, pelo menos, confesso que não consigo pensar tão bem. Que desfrutem, então, a miséria a que estão condenados.
Eduardo Carvalho
São Paulo, 12/12/2003
Fonte: Blog Digestivo Cultural
Nenhum comentário:
Postar um comentário