(Parodiando Luiz Fernando Veríssimo)
Luciano Lira
Só concordo em parte com Luís Veríssimo, quando ele mostra, em ótima crônica, que o povo não preta, que toda ruindade do país resulta da existência do povo. Veríssimo que me desculpe, mas atribuir tudo de ruim só ao povo é incorreto e incompleto: o povo é aquilo mesmo, talvez até mais, porém não é o único responsável por tudo o que está errado. Temos os outros, que também não prestam. Vejamos as eleições de 1989: todos queriam Lula, mas na hora da verdade, lá vêm os outros e votam em Collor. A anarquia que reina no Congresso nada tem com o povo, que não vota leis. São os outros que votam. Os outros fumam no ônibus e elevadores e nem se preocupam com as boas maneiras ou as proibições. “Os outros que obedeçam”, dizem cinicamente os outros.
Luciano Lira
Só concordo em parte com Luís Veríssimo, quando ele mostra, em ótima crônica, que o povo não preta, que toda ruindade do país resulta da existência do povo. Veríssimo que me desculpe, mas atribuir tudo de ruim só ao povo é incorreto e incompleto: o povo é aquilo mesmo, talvez até mais, porém não é o único responsável por tudo o que está errado. Temos os outros, que também não prestam. Vejamos as eleições de 1989: todos queriam Lula, mas na hora da verdade, lá vêm os outros e votam em Collor. A anarquia que reina no Congresso nada tem com o povo, que não vota leis. São os outros que votam. Os outros fumam no ônibus e elevadores e nem se preocupam com as boas maneiras ou as proibições. “Os outros que obedeçam”, dizem cinicamente os outros.
O povo não é corrupto. Não tem nunca essa oportunidade. Tudo fica para os outros. Só os outros têm acesso às mutretas de Brasília. Até aqueles deputados que foram eleitos pelo povo esquecem o povo na hora de aproveitar e só lembram dos outros.
Agora mesmo, com esta epidemia de AIDS, quem é culpado de a doença se transmitir tão rapidamente? Os outros, que não usam camisinha e se relacionam na maior promiscuidade. As filhas dos outros cedo, cedo se perdem e ficam passando a doença. Vocês já observaram as greves dos ônibus? Muitos motoristas e trocadores querem trabalhar, mas os outros não deixam, fazem piquetes e ainda furam os pneus. O povo é culpado? Coisa nenhuma! O povo é vítima dos outros. Na escola, quem é mal comportado? Quem não sabe as lições? Os filhos dos outros, naturalmente, porque os outros não sabem educar os filhos.
Os outros são culpados de haver sonegadores, aproveitadores e picaretas, que se justificam dizendo que “se eu não fizer, os outros fazem”. “Se eu não sonegar, os outros sonegam”. E assim por diante, numa prova indiscutível de quão perniciosos são os outros.
Quem é que não sabe votar? Quem fura fila? Quem dirige sem cuidado, achando-se dono das ruas só porque tem carro? Quem entra na contramão? Quem buzina quando abre o sinal verde? Quem gosta de dupla caipira? Quem fala na volta dos militares? Quem acreditou naquele choro da santa? Quem? Quem? Os outros, os outros e os outros. Ninguém mais! Alguém já viu os teve notícia de acidente de trânsito que não seja provocado pelos outros? Nunca! Eu, quando viajo, nem me preocupo comigo, mais com os outros, que são irresponsáveis, ultrapassam nas curvas, guiam com excesso de velocidade, etc. Os outros sempre os outros.
Os outros são nossa desgraça!
Mas quem são afinal, os outros? Devem ser entes sobrenaturais, pois nunca os outros se identificam. Todos criticamos ou nos escondemos por trás dos outros, todos projetamos nos outros os traços ruins de nossa personalidade, todos esperamos que os outros cumpram com nosso dever, mas ninguém diz quem são os outros. Os próprios outros não se reconhecem. Com certeza, lendo esta crônica, os outros vão achar que os outros a quem me refiro são os outros. Uma última acusação, gravíssima: os outros plagiam os bons cronistas brasileiros. Esta crônica, por exemplo, parece coisa dos outros.
Publicada no Jornal CORREIO DA SEMANA, Sobral (CE) em 08/10/1994
Fonte: Instituto Brasil Verdade
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